domingo, 30 de setembro de 2007

Hairspray - Em Busca da Fama




Os americanos têm uma capacidade incrível de transformar tudo em sucesso. O filme Hairspray original, de 1988, custou apenas US$ 2 milhões e se tornou uma pérola no imaginário cult, criada pelo diretor americano mais indie de todos os tempos, John Waters. Quase vinte anos depois e com uma passagem pela Broadway, Hairspray virou superprodução: orçamento de US$ 75 milhões, elenco de estrelas, lançamento no meio do verão americano em mais de três mil salas de cinema, uma arrecadação de bilheteria que já superou os US$ 100 milhões e a trilha sonora nas paradas de sucesso da Billboard.

Se antes deste trabalho o currículo do diretor Adam Shankman incluía apenas algumas comédias sem expressão e uma porção de coreografias em filmes famosos, desta vez ele acertou a mão: Hairspray funciona. O musical conta a história de Tracy Turnblad (Nikki Blomsky), uma garota gordinha na Baltimore do início dos anos 60, viciada em um programa de danças da tevê chamado Corny Collins Show - "corny" em inglês quer dizer cafona, fora de moda, o que deixa clara a intenção de criticar a influência da TV na mente das pessoas. Brega aos nossos olhos, mas de uma inocência contagiante, o sonho de Tracy é um dia fazer parte do corpo de baile ao lado do seu ídolo Link Larkin (Zac Ephron). Seu desafio é convencer a mãe Edna (John Travolta) a apoiá-la e também vencer o duelo com a namorada do rapaz, Amber Von Tussle (Brittany Snow) para conquistá-lo.

No original, o papel de Edna Turnblad foi interpretado pela atriz-fetiche do diretor John Waters, a travesti Divine. Nesta nova versão, John Travolta assumiu o desafio de passar-se por uma matrona de uns 100 kg auto-reclusa em casa enquanto o regime que tenta há dez anos não faz efeito. O ator levava quatro horas para transformar-se em Edna, o que incluía uma roupa com enchimentos pesando 15 kg e cinco próteses de silicone preenchidas com gel no seu rosto. A caracterização valeu o sacrifício. Além disso, Travolta, com experiência em musicais como Grease (1978), despiu-se de qualquer vergonha e cantou e dançou fazendo par romântico com o sempre ótimo em papéis transgressores, Christopher Walken. Um retorno e tanto pra quem nesta década vinha de bobagens como A Senha (2001) e Be Cool – O Outro Nome do Jogo (2005).

Quem também volta às telas é a estonteante Michelle Pfeiffer. Após cinco anos sem filmar - segundo a própria, ela não via realmente motivos que a fizessem pôr os pés num set novamente -, a loira encarna a vilã Velma Von Tussle, gerente da emissora de tevê, e que faz qualquer coisa para que sua filha Amber continue sendo a atração do programa que comanda. Para o papel de Velma foram cogitadas Madonna e Meryl Streep, mas Michelle provou ser uma escolha acertada. Magérrima em seus twists bem cortados, sua voz é tão afinada que nos faz remoer a raiva da Academia por ela ter perdido o Oscar em 1990. Quem não a viu cantando em cima do piano a canção do brasileiro Morris Albert, Feeling, em "Susie e os Baker Boys" perdeu uma das cenas mais sensuais do cinema.

Com um elenco que inclui ainda Alisson Janney, uma cada vez mais segura Queen Latifah, o paparicado Zac Ephron (de High School Musical) e James Marsden (de X-Men), ainda assim a melhor interpretação de todo o filme é da revelação Nikki Blomski. A graça de sua Tracy é tamanha que nos conquista nos primeiros acordes de sua primeira canção no filme, Good Morning Baltimore.

A personagem percebe no decorrer da história que as coisas na vida não são perfeitas como seu penteado cheio de laquê ou fáceis como parecem no Corny Collins Show: o mundo cor-de-rosa em que todos somos iguais não passava de uma ilusão vendida pela telinha. Hairspray se revela então um libelo contra a intolerância e a favor da integração. Numa época em que negros e brancos eram separados nos salões de dança e nos programas de tevê, Tracy vai às ruas para desafiar as normas estabelecidas - ela mesma vítima do preconceito.

Refilmar Hairspray foi uma decisão acertada porque a mensagem continua atual. Numa sociedade de loiras e magras em suas faixas de miss e QI de molusco, nossa gordinha-heroína mostra que o talento pode e ultrapassa qualquer barreira estética ou preconceitos. Viva a diversidade.

O Vigarista do Ano


Howard Hughes foi um controvertido engenheiro, piloto e empresário do ramo da aviação, produtor de cinema e uma das pessoas mais ricas do mundo. De personalidade excêntrica, amante de estrelas do cinema, sua vida sempre foi cercada de boatos. Recentemente, o personagem foi retratado por Leonardo di Caprio na cinebiografia “O Aviador” (2004) de Martins Scorsese. Ainda sem cura, a obsessão da América pela vida do bilionário também é o tema de O Vigarista do Ano.

O filme conta a história de Clifford Irving, um escritor com bloqueio criativo, que tem a idéia de escrever a biografia do magnata; naquela época ainda vivo e recluso por conta de uma fobia por germes. Valendo-se da comunicação precária que Hughes mantinha com o mundo exterior, Clifford imagina ser possível concluir a obra totalmente à revelia de seu personagem. Ele embolsa um adiantamento felpudo e durante a fase de investigação e coleta de material sobre a vida de Hughes, o projeto vaza para a imprensa e o biografado contesta a veracidade do livro.

Estávamos nos EUA do início dos anos 1970, época na qual a guerra do Vietnã dominava os debates da mídia. A política e a sociedade americana eram alimentadas por boatos, fofocas e perseguições "em nome da democracia". Percebendo que Irving poderia representar uma boa oportunidade para livrar-se de uma pendência com o governo, Hughes passa a alimentá-lo com dados sobre a família do então presidente Richard Nixon. De certa forma, o temor de que os dados contidos neste livro viessem a público teria levado a Casa Branca a se envolver em outra trama de final bombástico: o caso Watergate, que gerou o excelente "Todos os Homens do Presidente" (1976).

O diretor do filme, Lasse Hallstrom, não é um cineasta muito inventivo. Depois de ser revelado ao mundo com Minha Vida de Cachorro (1985), o sueco foi para a América e sua obra desde então costuma apresentar temas interessantes, revestidos por embalagens caretas. Em O Vigarista do Ano ele teve à disposição uma história verídica, instigante e cheia de detalhes. O roteiro competente nos faz trafegar ora pela biografia, ora pela sátira e compensa a direção pouco imaginativa.

Richard Gere está surpreendentemente convincente no papel do escritor trambiqueiro. Acertou até em não retratar Irving como um estelionatário sociopata, o que dá graça ao protagonista. A trajetória do personagem revela uma faceta bastante verdadeira da vida comum: é muito fácil mentir e a prática aperfeiçoa este talento em progressão geométrica. O desempenho de Gere é apoiado por um elenco advindo do cinema alternativo com Alfred Molina (Frida), Hope Davis (O Anti-Herói Americano) e Marcia Gay Harden (Sobre Meninos e Lobos).

O Vigarista do Ano tem o mérito de abordar o tema da credibilidade da informação, especialmente quando envolve celebridades ou questões polêmicas. Se já era relevante na época da história original, este é um debate fundamental nos dias de hoje quando boatos e invencionices se espalham à velocidade de milessegundos por meio dos blogs e das falsas correntes, o "hoax" do título original do filme em inglês. O mais impressionante é perceber a opinião pública cada vez menos preparada para distinguir o que é fato do que é falso.